domingo, 7 de setembro de 2008

Se o meu carro falasse

De uns tempos pra cá quem mais conhece minhas emoções é o meu carro. Invariavelmente entro nele e ligo o som. Sim, porque emoção que se preze tem trilha sonora.

Sozinha, naquela penumbrinha do insulfilm, vidros fechados e ar ligado no quentinho ou no geladinho, sentada confortavelmente, com um espelho por perto pra eu conferir minha dramaturgia e um som bem alto... ah, nele eu encontro tudo que preciso pra me soltar sem constrangimento, com a mais pura verdade do meu momento.

Já chorei muitas vezes lá dentro, lágrimas daquelas que simplesmente correm olho abaixo, lágrimas que pulam freneticamente pra tudo que é lado, lágrimas quase secas que viram soluços com som de ã-ã-ã-ã-ã. Chorei de tão cansada e esgotada, chorei de triste, chorei de saudade, chorei de raiva, chorei por me sentir perdida, chorei por me sentir pressionada, chorei, chorei, chorei. Muitas vezes já fiz trajetos bem maiores do que eu precisava pra dar tempo de chorar tudo que eu tinha vontade.

Mas também já gastei mais gasolina pra rir, pra gritar de alegria, pra sentir o vento forte nos meus cabelos, pra prestar atenção nas luzes da cidade ou no céu azul e embalar minha felicidade, que às vezes não cabe dentro do peito, com o som no volume máximo (um máximo que me permita entender que música eu tô ouvindo, porque até hoje não coordeno aqueles botões complexos de equalizar e vivo desregulando tudo).

Se é pra chorar, eu ouço, introjeto cada dó-ré-mi da música e soooooooofro. Se é pra rir eu canto, ou melhor, eu berro. Sigo o ritmo e não necessariamente domino a letra, mas eu disfarço e ainda tento dançar da cintura pra cima. Eu não percebo, mas o carro deve se sacudir todo. E claro, minha boca que já não é pequena rasga um sorriso absurdo. E pra completar, dou gritos batendo na direção de tão doida, de tão feliz. Uma lady.

Fico pensando nos pobres seres que param ao meu lado na sinaleira. Ainda bem que só param estranhos (isso é o que acho e prefiro continuar achando pra manifestar minhas emoções sem restrições). Nem quero pensar que já parou alguém conhecido ao meu lado e assistiu minhas performances de camarote. A minha platéia é o retrovisor e assim quero que seja.

Tá bom. Preciso confessar que já me pegaram na tampinha sim. Dias complicados, sentimentos a flor da pele. Tava lá eu. Eu e ele, o meu carro. Estacionei num posto que nem costumo ir, justamente pra não correr o risco de encontrar alguém. As últimas lágrimas pingando antes que eu descesse, quando ouvi um “Crisssssssss” do carro do lado. Congelei e pensei, ai meu santinho, ferrou, vou ter que fazer cara de “Oiiiiiiiii, que bom te encontrar! Que nada, eu chorando? Imagina”. Ufa! Era minha amiga-irmã, praticamente minha Vigilante do Choro. Acabamos morrendo de rir do flagra.

Mas aquela foi uma avulsa coincidência, porque aquele momento é só meu, muito meu, mais meu do que qualquer outro do dia ou da noite. Meu carro é a minha bolha móvel. Afinal, fora dele quase nunca estou sozinha de fato pra poder extravasar como um ser praticamente irracional que não controla suas emoções. Não se preocupe, nunca atropelei ninguém. Mesmo com a cérebro mole e emocionado eu sempre chego aos destinos sã e salva, assim como todos que cruzaram comigo no caminho. E melhor, mais equilibrada!

É. Meu carro não fala. Mas é como se cantasse pra mim...
“And darling, darling stand by me.
Oh, now, now, stand by me
Stand by me, stand by me…”

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